sábado, 30 de agosto de 2008

Amar

Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
e o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.


Carlos Drummond de Andrade

3 comentários:

Tanita disse...

E é amar-te, assim, perdidamente ...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!

Florbela Espanca - Ser poeta

Só me fez lembrar isto...

Sylvie disse...

Olá Liliane,
Como diz a música "Love is in the air".... ;-)
Gosto muito da tua postura em relação à vida, tens uma alegria e um optimismo contagiantea...e não te preocupes quanto ao jantar, se ninguém reclamar o prémio, serás a minha convidada de eleição ;-)

Jinhos

Liliane disse...

Oi! Sylvie!! Obrigada pelo comentário.
Mas nem sempre sou assim optimista!! hehe
Quanto ao jantar ficarei a espera que ninguém reclame então!!! ;)

Beijokas